terça-feira, 6 de novembro de 2007

A RESPIRAÇÃO DOS VELHOS

Cobrir-se com o plânctum da alegria,
antes que o langor da preguiça

nos olvide entre ceras.
O nada da brisa, a perfeição da leveza

nesse terreno coberto de bambus.
Quantas noites mansas escuto

grafadas em tábuas de caligrafia chinesa?
Construídas com ossadas de velhos sábios,

as tábuas guardam a respiração deles.
A caligrafia salva do esquecimento:

soluços, amor, relva, idioma

de velhos sábios que reverenciam o silêncio
nesse terreno coberto de bambus.

A ESFINGE: DECIFRA-ME OU TE DEVORO

Buddah, quem é?
A constelação dentro de ti:
água imersa em água.
Buddah é o que acontece na pureza.

Daqui há bilhões de anos,
tua respiração um Buddah:
será hoje!

Buddah é o ar: não é um,
nem um não.
Mistura de ambos.

Não é um: é concha, Órion, vento.
Nem um não: Buddah é sim.
Mistura de ambos:

Buddah é, sim, concha, Órion, vento.

Pequena exposição fotográfica
de Cartier Bresson

Um clic e vislumbramos o paraíso

Cartier Bresson


Cartier Bresson


Cartier Bresson


Cartier Bresson


Cartier Bresson


Cartier Bresson


Cartier Bresson


Cartier Bresson


Chuva na vidraça
JARDIM DE PEDRA

O jasmineiro, o corvo,
o biombo transparente, a âncora.
Com o viscoso lodo das palavras,
com o granizo e com a nevasca das impressões verbais,

desvela-se a seqüência harmônica
da Casa de Água que é um sonho onde não se dorme,
sonho vivo, fora do sono,
entrelaçado silêncio de cacto e sopro.

Jardim de pedra que a raga indiana rega,
também cheira a vazio e viço de alecrim.
Um arabesco abrasa a iguana,

sem reduzi-la a cinza.
Imersa em profunda fonte fria,
Georgia O’Keefe descansa na cama de chuva.
Duke

Lagarto verde


ORAGO DAS CHUVAS

Águas do céu nas oliveiras à sombra de oliveiras.
Na Casa de Água, exposto às chuvas,
o orago transcria para o silêncio
a alma de lagartos no vendaval.

Passar da palavra tosca à palavra clara
é serena operação da brancura,
que não deixa no lençol de ervas bordado
mais do que essa marca d’água.

Esse caldo de águas do céu:
um alento para oliveiras à sombra de oliveiras.
Na Casa de Água o orago é aragem

para as trepadeiras no algibe.
Na garganta um recinto aquático para pássaros,
na garganta palavras que o vazio sopra.
Pavão na neve, cena do filme "Amacord", de Fellini
ERVA-CIDREIRA

Vento quente no jardim de Alof de Wignacourt
balofas ondas no undoso céu
curvas imensas de cristal emanam dos eucaliptos
e se fumo erva-cidreira transmudo-me para

um
filme
de
Fellini

no exato instante daquele take de Amacord
em que uma freira anã
ajuda o louco de pedra

a descer

da

árvore

Cartier Bresson

ENROLO OS MEUS CIGARROS COM AS FOLHAS FINAS

Se eu soubesse que a chuva só molhava,
teria ficado mais tempo exposto a ela.
Álvaro de Souza

Enrolo os meus cigarros com as folhas finas
de um pequeno livro de mortalhas.
Composição para ouvido:
eu preciso aprender a empurrar a chuva

até a vidraça onde a chuva quer molhar.
Escuto a nostalgia que a chuva
insiste em esquecer junto à porta.
Mais molhada que o mar,

a chuva desfaz o meu cigarro de folhas finas,
desfaz meus cabelos, minha cabeça,
a chuva só deixa intacto o gelo do coração

que teu sopro abrasaria.
A nuvem ia recitar uma ode,
mas deu branco na nuvem.

Cartier Bresson


CASA DE MENANDRO

Logo se espalha um suave vento
e as cortinas começam a dançar.
Alberto Blanco


A serenidade de um verso latino.
Na casa de Menandro angst morre nas pedras.
Eu escuto orvalho no olho do peixe
que paira no aquário da casa antiga,
casa antiga que os vendavais circundam.
Uma ramagem de sutis idílios
faz sombra na parede branca da casa de Menandro.
O sol marinho dá nas calhas e nas venezianas.
Menandro desce os degraus de pedras soltas,
nos galhos do salgueiro vai deixando
blusa, calça, sapatos, chapéu, cachimbo.

Cartier Bresson

FÍCUS

À sombra secular do fícus,
um anel de prata enterrado.
Foi da princesa Shai
esse anel de prata enterrado.
Da princesa Shai, na varanda,
olhando água, silêncio, estrela.
Da estrela – grão de água na noite –
vinha todo silêncio branco
molhar a fronte da princesa
que, na varanda, perfumava-se
com aquele outro olhar perdido,
olhar do navegante antigo,
à sombra daquele fícus,
jaz enterrado com o anel.