sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Harold Harvey


Ver minha filha Shânkara e suas amigas. Vou tentar explicar onde está a Shânkara: ela é esta moça de blusa branca, com um canudinho numa das mãos, que encosta a cabeça na moça de azul e com a máquina fotográfica em punho.

orkut - foto de .Shân

orkut - foto de .Shân

Texto escrito para minha filha Shânkara ler


ÚNICO DESEJO

A grande águia de prata trouxe transatlânticos

falésias com juncais

ouro da Pérsia

cântaro com selo de Salomão

nada quis

porque só desejo que minha filha

Shânkara Lis

respire

para

sempre

Maggie Taylor


Anita Ekberg


Jitet Koestana


Santa Clara de Assis
DO LIVRO DE HORAS DE SÓROR DOLOROSA
SANTA CLARA DE ASSIS

Eu não cultivo
pássaros azulados em gaiolas de ouro:
rebebo, sim, o encharcar dos brejos,
aí se me acordo, suspendo uma folhagem.

Sob o chuvoso arco do mosteiro
se deu o que se deu --- o isto é! ---
avanço pela escadaria de pedra para espiar
parada, imersa na luz, Santa Clara de Assis.

Eu respiro
o sono tempestuoso das lianas durante o vendaval:
eu sou o ferrão escuro do escorpião eu sou

a cantaria barroca e o sino:
queimo com as palavras ferro e brasa
a pele translúcida dos anjos.
Anônimo
Enxagüe os sonhos de ouro:
proteja os anjos dentro.

Luis González Palma


Jean-Philippe Charbonnier


Don Hong Oai


Dick Swift


Billa Jay


Clare Strand


Anne Arden McDonald


André Kertesz


Ânfora grega
A RESPOSTA DE JEAN COCTEAU

À pergunta:
--- Se na sua casa pegasse fogo,
o que você salvaria?
Jean Cocteau respondeu:
--- O fogo!

Salvação, em hebraico, significa
"respirar à vontade".

Há essa ânfora que carrego,
ânfora distraída no precipício.

Ao atravessar esta porta,
ânfora lavada:
só o sonho poderia levá-la ao Santo dos santos.

Cartier Bresson


ESTA É A CONFIANÇA QUE TEMOS EM DEUS:
SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA
SEGUNDO A SUA VONTADE,
ELE NOS OUVE.
(1 João 5, 14)

Pés de ouro equilibram-se em peixes.
Inciput erat verbum: no princípio era a palavra.
A palavra é clarabóia
sobre o pensamento escuro.

Jesus cita as antigas escrituras
para sugerir que somos deuses.
Na fonte fria lavar cabelos,
lavar cabelos na fonte fria.

Pés de pluma equilibram-se em águas.
Tenho confiança em Deus
e a Ele peço três coisas segundo a Sua vontade:

--- a força da criança
--- a força da poesia
--- a força da música

O primeiro nascimento é orvalho.
O segundo nascimento é a palavra orvalho.

Kasimir Malevich


AQUI (OPUS 1)

Aqui o relógio de Anton Saupp
aqui os lençóis molhados de mar
aqui a enciclopédia do salmão
aqui a ilegível nuvem e o coqueiro
aqui o líquen na língua
aqui as cinzas de Picasso
aqui o piscar do Espírito
aqui o cabúqui enquanto durmo
aqui uma linha de Hokusai na praia branca
aqui o adágio atravessa o muro

Laszlo Layton


AQUI (OPUS 2)

Aqui a língua do salmão
aqui as cinzas do espírito
aqui a nuvem equilibra o líquen
aqui a enciclopédia do cíclope
aqui o caqui ao lado do cabúqui
aqui a linha do trem é invisível
aqui o mar é de lençóis
aqui o açúcar não se molha no chuveiro
aqui a sombra de Johann Sebastian Bach
aqui o adágio atravessa o muro

Maggie Taylor


O MORTO ACORDA NUM QUARTO NOVO

O nojo do morto é azul-carvão.
Vaso com pervincas o enlouquece.

A língua surda-muda do morto
nada sabe do sol e da sombra.

Depois que o vaso é arremessado no ladrilho,
ásperos os cacos lavam-se de toda certeza:

– somos nós os mortos –
na cama estreita e dura sem veleiros.

O vaso estilhaçado ressuscita no terceiro dia.
Está no céu onde caiu em ventura.

Paira sem destino entre odoríferos ares.
O nojo do morto, que era azul-carvão,

torna-se de acre verdura,
e a música verga de silêncios o vaso imortal.

Miran



Eu lavro o Santo Espírito no campo da linguagem:
ali tudo é pérola.

Botero


Quino


John Paul Caponigro


Só o impossível partilha hálito celeste.

Astrid Cabral

Irving Greines


Sophia Loren


Julie Blackmon


Jacob Boehme (1575-1624)


A VASILHA DE JACOB BOEHME

O vazio nunca foi pesadelo:
mergulho no escândalo arcaico da noite.
Falham silêncios na hora H,
serenam os espelhos.
A vasilha de Jacob Boehme é de estanho:
meu Reino é deste mundo,
nele sabor da língua e ontem ilusório conversam.
A rã é um recinto,
é desejo e é losna.
Só palavra esta pedra,
avesso da voz da ave:
o espelho que a penumbra
oculta todo o relvado que é nada,
abandona, o espelho,
um jardim de nenúfares atrás do vento que sonha,
que sonha que não é vento,
que sonha que sempre é,
mas nunca vem a ser,
nem deixa de ser:
o vento sonha que é a palavra vento.

Anon


MARCA D’ÁGUA

E todos os jardins suspensos do fundo mar
se curvaram
quando ela passou.

Se ela te abraça é uma semana de barcos.
Pertence a quem não marca seu céu.
Onde não enraíza espelho: ali ela respira.

Sua essência marinha não erra ponta de cardume.

Abana o azul com leque.