domingo, 2 de março de 2008

Gustave Doré (1832-1883)


Ora, só há um modo de escrever a própria essência, é contá-la toda, o bem e o mal.

Machado de Assis

Immogen Cunningham


Semeia a serena cintilação.

Valèry

De sua fonte o fluir, qual rio santo,
emanado das fontes da verdade.

Dante Alighieri

Airon



Jane Birkin
Água morna de chuveiro na pele de Jane Birkin. Com suavidade descerro as portas do box e a flagro ensaboando as clavículas, o ventre, os pés.

A nudez dela ondula sombras nos azulejos brancos. Vidros embaçados, o barulho da água atrás da cortina de plástico; as coisas essenciais, os reinos da chuva, incrustados fora da razão.

Aqui, ante Jane Birkin, devo ser um servo, e servo reverente. Ela me chama, aproxima seus lábios dos meus e nos beijamos através do plástico transparente: dura apenas um instante.

Não esqueço nunca que eu tenho pelas banhistas de chuveiro uma predileção especial, ainda mais se essa banhista é Jane Birkin.

E se, após o banho, ela cobrir o nu com uma toalha, ai dela, eu viro Calígula, o Terrível, ordeno a meus exércitos que arranquem a toalha enrolada em seu corpo.

Que a toalha suma! E que reste límpida a nudez de Jane Birkin, assim deitada na cama, em estado de óbvia distração.

Clare Strand

Algumas letras d’água passam por dentro de ti señora doña segoviana cuyos ojos están llorando
O corretor de imóveis me diz que a piscina desta casa foi construída a pedido de Gôngora no século 18 por isso mergulho nas águas limosas da piscina de Gôngora algumas letras d’água passam por dentro de ti señora doña segoviana cuyos ojos están llorando nado de costas nas águas esverdeadas da piscina de Gôngora al sol ninfa mía de flores despojando el verde llano ondeábale el viento mergulho mais um pouco para tocar os azulejos lá embaixo onde a piscina é claro honor del líquido elemento toco os azulejos dulce arroyuelo entre la yerba se chovesse sobre a piscina de Gôngora eu ficaria sob as águas durante mil anos los ojos llueven como se nada houvesse ocorrido estas plantas a Alcides consagradas algumas reunidas em torno da piscina a música de aquél ángel fieramente humano retorno por um instante à superfície pra escutar onde se afoga o sonho a respiração védica protege a sombra mergulho de novo na soturna piscina de Gôngora para recitar essa fonte que aguarda ser pronunciada enquanto um relâmpago fende o ar devo sair da piscina tomar uma ducha depois adormecer para que a alma saiba que o que está besando unas manos cristalinas está soñando en aquellas perlas finas

Beth Moon


A filha do açougueiro Otto
As manhãs do Peloponeso não devem ser mais belas que as manhãs da rua do Castanheiro. As coníferas, o rádio alto no sobrado da esquina, uma construção de grade de madeira e, no quintal, aquele enorme vaso, plantas de folhas longas. No corredor do sobrado desembocam quartos cheios de treva e, na sala de leitura, eu visto uma camisa de algodão enquanto espero que passe o enterro da menina Luciana, filha do açougueiro Otto.

Quem a conheceu recorda que sorvia até o fim o cheiro da flor de laranjeira e, nos dias de calor, descansava à sombra da cisterna. Depois pendurava roupas no varal, andava entre árvores. A filha do açougueiro Otto trazia o espírito curioso atento ao cotidiano de louças, vassouras, e nunca compreenderia, por exemplo, a Mecânica dos Fluidos, de Bertrand Russell, ou as frases cortantes de Wittgenstein, em seu Tractatus.

Esta imagem da menina Luciana data de 1952, quando ocorre sua morte com apenas 16 anos.

A última vez que a encontrei, no beco dos Goyas, eu havia puxado um fumo louco junto ao portal da igreja de São Ignácio.

Aquela tarde, nos muquifos de sempre, também sorvi a espuma dourada de algumas cervejas Eisenbahn, e, de vez em quando, olhava para a lâmina que cortaria o virginal pescoço da filha do açougueiro Otto.

Edouard Boubat


Lythia
Rente ao mar grosso; debaixo de árvores altíssimas, – eucaliptos, baobás? –, Eu, Rimsky-Korsakoff, com a boca seca, os olhos turvos, também espero Godot nesse terraço do Hotel das Palmeiras à beira da restinga de Marambaia.

Sempre que chego aqui um nevoeiro me envolve e, no meu pensamento, o Esteves me sorri da Tabacaria. Diante da beatitude, tem dias, emboto a ponta da sagacidade e, sob nuvens velozes, sorvo da xícara de linhagem o chá e aproveito para descansar à sombra de um guarda-sol.

Aqui no terraço, enquanto espero o dry Martini, penso seriamente em desistir da cruenta e inútil pesquisa do Vazio Humano. Eu, originário da Antioquia, segundo os dementes e os caluniadores, nas horas vagas também seria copista na biblioteca de Alexandria. Tudo mentira, claro.

O que acontece, e os dementes e os caluniadores nunca podem saber, é que na hora noturna, à bordo de uma certa barca Nautikon, singro acima das torres circundadas de neve, de ciprestes e de corvos. Ao longe, na colina nevada, observo arcanjos que esvoaçam serenos e pousam nos telhados românticos de ardósia, onde também a chuva se deixa cair, entornando água sobre água, chuva sobre o cair da chuva.

A voz flui no cipoal noturno, clareando o sisal. Aqui, nessa região fria, pode-se ver claramente, ergue-se a Torre abandonada e, nela, Hölderlin ainda respira incólume; mas gane nas noites o Hölderlin, bate a cabeça na parede de pedra da Torre porque já não pode ver o céu com olhos de criança.

Súbito, das fendas da Torre em fuga toda música e um corvo e deságua a ventania, o pêssego em núpcias com o mineral e a luz do candeeiro se apaga e a sombra molha a pele de papel-de-arroz da gueixa Yuki.

Lá o vazio – o vazio do céu que molha as roupas estendidas no varal.

O vazio, que nunca feriu a copa das árvores nem tirou lasca do morto estirado na relva, antes o ressuscita e lava o crânio dele com sete óleos, sete ervas; o morto que, ressuscitado, cai num carrascal sem rosas e, durante a vertiginosa queda, é capturado pela horda de pégasos que migram para a ilha de Lídia.

Em Lídia esvoaçam uns cavalos brancos com chuvas pelas crinas e estes cavalos exercem a pureza com ferocidade e não, como disse Calígula, a ferocidade com pureza.

Sobriamente Eu desfio um rosário de estrelas para Oxum, sereno e aquático Oxum, dentro de Oxum não há nada, apenas existe, em Oxum, um certo cantábile que torna ameno o resedá e à turba rumorosa acalma. Oxum singra às constelações da sibila Lythia para, diante dela, escutar – não os doutores do Grão-Veículo que insistem, em seus ensinamentos, que o essencial do universo é o vazio – mas, sob as mansas constelações, reverente escutar Lythia dois minutos antes da chuva.

Fotógrafo anônimo

Ver os dois únicos vídeos
que flagram uma sereia

no mar Egeu

1. http://www.youtube.com/watch?v=z_ElsEJe0Kw&feature=related

2.
http://www.youtube.com/watch?v=M5WHmP6vgIw&feature=related
A ORIGEM DAS SEREIAS

Sereia, Sirene ou Sirena (do grego — Σειρῆνας) é um ser mitológico, parte mulher e parte peixe (ou pássaro, segundo vários escritores e poetas antigos). É provável que o mito tenha tido origem em relatos da existência de animais com características próximas daquela que, mais tarde, foram classificados como sirénios.

A sereias eram filhas do rio
Achelous e da musa Terpsícore.

Não confundir com harpias. Habitavam os rochedos entre a ilha de Capri e a costa da Itália. Eram tão lindas e cantavam com tanta doçura que atraíam os tripulantes dos navios que passavam por ali e os navios colidiam com os rochedos e afundavam. Odisseu, personagem da Odisséia de Homero, conseguiu salvar-se porque colocou cera nos ouvidos de seus marinheiros. Também amarrou-se ao mastro do navio para poder ouvi-las sem se aproximar. As Sereias representam na cultura contemporânea o sexo e a sensualidade.

Na Grécia Antiga, porém, os seres que atacaram Odisseu eram, na verdade, retratados como sendo sirens, mulheres que ofenderam a deusa Afrodite e foram viver numa ilha isolada. Se assemelham às harpias, mas possuem penas negras, uma linda voz e beleza única.

Algumas das sereias citadas na literatura clássica são:

Pisinoe: controladora de Mentes.
Thelxiepia: cantora que Enfeitiça.
Ligeia: doce Sonoridade.

Segundo a lenda, o único jeito de derrotar uma sereia é cantar melhor do que ela.

Em 1917, Franz Kafka escreveu o seguinte no conto O silêncio das sereias:

As sereias, porém, possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: seu silêncio.
Leão branco
Ver ataque de um leão,
depois que o tentam
alvejar de forma covarde.

http://www.youtube.com/watch?v=PAeGhfIMpsY&feature=related

Sem palavras