sábado, 22 de novembro de 2008

Orlando Pedroso


Pense diferente.

Sem palavras


Rembrandt (1606-1669)


Homer Simpson pintado por Rembrandt.

Brett Weston, sem data


MEDITAÇÃO DO CALIFA OMAR
SOBRE ALEXANDRIA (640 d.C.)

Para Cibele Cambuci, a bárbara.

Com seu periscópio de concha o califa Omar perscruta a baía de las Gavenas, em Alexandria. O caminho do poeta não é o do silêncio, mas o da luxúria.

As ondas nunca ociosas na baía de las Gavenas.

O califa Omar, nesse ano de 640 d.C., escreve numa das paredes do Palácio Real que o princípio de toda poesia é suprimir masmorras, leis da razão: na pedra gasta infiltrar a phantasia: e nos conduzir ao caos originário.

Elizabeth Opalenik, sem data


NUA

De madrugada a mulher nua foge do Convento de Sarga rumo à praia Brava. E, como disse o padre Gavallo: “era já tempo dela se molhasse no mar”.

Estranhei, a princípio, a conjugação inexata do verbo “molhasse”.

Um líquido desejo a entontece, um desejo de molhar as ondas com seu corpo liberto do hábito, do crucifixo.

Sem palavras



Cartier Bresson (1908-2004) fotografa Marc Chagall (1885-1987).
Ver Marc Chagall

http://uk.youtube.com/watch?v=0TlQJA92Uqs&feature=related

Edward Dimsdale, sem data


CASA DE MENANDRO

Logo se espalha um suave vento e as cortinas começam a dançar. A serenidade de um verso latino. Na casa de Menandro angst morre nas pedras. Eu escuto orvalho no olho do peixe que paira o aquário da casa antiga, casa antiga que os vendavais circundam. Uma ramagem de sutis idílios faz sombra na parede branca da casa de Menandro. O sol marinho dá nas calhas e nas venezianas. Menandro desce os degraus de pedras soltas, nos galhos do salgueiro vai deixando blusa, calça, sapatos, chapéu, cachimbo.

John Paul Caponigro, sem data


Só o impossível partilha hálito celeste.

Astrid Cabral

Kasimir Malevich (1878-1935)


AQUI (OPUS 1)

Aqui a língua do salmão
aqui as cinzas do Espírito
aqui a nuvem equilibra o líquen
aqui a enciclopédia do cíclope
aqui o caqui ao lado do cabúqui
aqui a linha do trem é invisível
aqui o mar é de lençóis
aqui o açúcar não se molha no chuveiro
aqui a sombra de Johann Sebastian Bach
aqui o adágio atravessa o muro

Kasimir Malevich


AQUI (OPUS 2)

Aqui o relógio de Anton Saupp
aqui os lençóis molhados de mar
aqui a enciclopédia do salmão
aqui a ilegível nuvem e o coqueiro
aqui o líquen na língua
aqui as cinzas de Picasso
aqui o piscar do Espírito
aqui o cabúqui enquanto durmo
aqui uma linha de Hokusai na praia branca
aqui o adágio atravessa o muro

Anônimo, 1920


Enxagüe os sonhos de ouro:
proteja os anjos dentro.

Santa Clara de Assis (1193-1253)
DO LIVRO DE HORAS DE SÓROR DOLOROSA
SANTA CLARA DE ASSIS

Eu não cultivo pássaros azulados em gaiolas de ouro:
rebebo, sim, o encharcar dos brejos,
aí se me acordo, suspendo uma folhagem.
Sob o chuvoso arco do mosteiro
se deu o que se deu --- o isto é! ---
avanço pela escadaria de pedra para espiar
parada, imersa na luz, Santa Clara de Assis.
Eu respiro o sono tempestuoso
das lianas durante o vendaval:
eu sou
o ferrão escuro do escorpião
eu sou
a cantaria barroca e o sino:
queimo com as palavras ferro e brasa
a pele translúcida dos anjos.

Matisse (1969-1954)


LES BAINS DE CARACALLA

Às águas da piscina de Caracalla levo a alma, --- na piscina nadam cinco Danaides ---, levo a sede às cacimbas. Com pureza entro na barca do pensamento; agora sei que as Danaides é que arejam a língua da piscina. Há dentro de mim uma água que não existe. Há uma fonte além do vento e da morte: nela água é humilde. A cisterna que a contém recende a um acorde de pólen. A música é haste de gramínea entre os cabelos das Danaides. Esqueci minha língua de piscina no tímpano de uma delas --- a com o leque.

Desenho de Fernando José Karl
Ler a novela
A senhora do Gelo,
de Fernando José Karl.

http://www.germinaliteratura.com.br/booksonline_karl1.htm