sexta-feira, 24 de julho de 2009

Francine Canto


Trata-se de amor por algo, de sentir tanto amor por algo que tudo que pode ser feito com o excesso é criar.


Clarrisa Pinkola Estes

Burton Pritzker, sem data



Quando não acontece nada,
é no invisível que respira o milagre.


Guimarães Rosa

Steven Evans, 1997



Devíamos aprender a ser invisíveis
com mais humildade.


Kant

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Ler uma entrevista

Hilda Hilst a Fernando José Karl

www.oultimosoprodehildahilst.blogspot.com

sábado, 18 de julho de 2009

Fritz Henle, 1975

Os meus hábitos são do silêncio, nunca dos deuses nem de Homero, que escutou que um mar é água sobre água que se move. A janela do quarto onde durmo continua deitada para a piscina aberta da mansão dos Hoopers, e a visibilidade de tudo que passa seca minha retina. E, agora, aqui, estou preso à mansão dos Hoopers, principalmente preso a esta mulher que mergulha sua nudez na piscina e verifica se a janela aberta é a do meu quarto.

O meu corpo adormece nessa praia, enquanto as folhas da palmeira pairam sombras no mar de gelo. Afasto-me da essência da sombra e, nessa cama improvisada sob o guarda-sol, penso que o imaterial rege o material e reconstrói o osso de Trakl e o jardim que Wittgenstein cuidou no mosteiro da Basiléia. Rente ao mar e sob o guarda-sol, desconsolado e anônimo, escrevo palavras para salvar o alfabeto das conchas; lavo-me em ar de tumba para tocar um inferno suspenso no pensamento. A chuva não perturba as linhas das marisqueiras que ondulam na praia Brava.

Quantas vezes julguei ver a luz lá no beco e, nas ruas de pedra com sobrados altos, o que apenas vislumbro são virgens em flor à sombra de cellos de Brahms e, diante do copo de água, eu passo as horas a cismar. Acordo e pulo a janela do quarto, para observar a prosa serena dessa praia Brava – o céu definitivo sempre esteve aqui, entre as coisas naturais – e ali, no areal, finco o guarda-sol, medito que as cordas dos violoncelos em vibração cumprem o seu dever primitivo: soam!

Retorno ao quarto que deita para a piscina da mansão dos Hoopers. O céu enfia-se pelos ouvidos, pelas narinas, pela boca e, estirado de novo aqui na cama do meu quarto absurdo, escuto a idéia de que sou pó e ao pó voltarei. Esvaziado de toda alegria, sou forçado a um contato com a brisa que afunda na fronte dos que andam à beira-mar. Escuto cismas da serpente corcunda que insiste cravar suas garras em minhas brânquias. Escuto a chuva que lava os telhados, mas agora, deitado na cama, o que é isso que esboça no inciput fervente um cacto difícil de definir?

A janela do quarto onde durmo deita para a piscina da mansão dos Hoopers; deita a janela, também, para a imensa manhã, onde o vento não se ouve, passa pelas folhas das vinhas, talvez nem se perceba o vento e Homero, que não existe mais, quem sabe sinta essa aragem mais que nós. Sentado à janela, contemplo essa coisa nenhuma que é o quintal com laranjas lá fora.

A idéia de uma obrigação qualquer me desconcerta: ir ao banheiro escovar os dentes; tratar junto do açougueiro uma coisa que é pedir a carne para o bife; esperar na estação de trem a essa moça tão depressiva, que maquia defuntos para apaziguar os pensamentos de um dia. Às vezes durmo mal e sonho que bato no prato de lentilhas com o pano cheio d'água. É desde a mesma véspera do nada que me preocupo com as pedras que ardem, e o caso real de haver um mar pensativo, quando se dá, é insignificante, mas descerra a porta maciça, e a solidão repete-se, e eu desaprendo a sofrer.

Joel-Peter Witkin, sem data

De uma das estantes da modesta biblioteca que possuo aqui no casarão colonial, retiro um livro de Jorge Luis Borges. Um livro devia ser escrito para ser lido com os olhos fechados. Abro ao acaso e leio: “Costumo pensar, então: este é um sonho, uma pura diversão da minha vontade e, já que tenho um poder ilimitado, vou produzir um tigre”. Alguma louça na pia. Lavo, enxugo, guardo os pratos, as xícaras, talheres e não sei se sonho com gata ou peixe. Se sonho com gata sem peixe, escuto certo murmúrio renascentista na “Nuages gris”, de Lizst. Se sonho com peixe sem gata, viro água no talo foliáceo das algas, espumo, quebrando-me na aresta do granito. Se sonho sem gata e sem peixe, saio das nuvens, levanto a fronte e escuto. Se sonho apenas com gata, “e já que tenho um poder ilimitado”, ela se torna essa mulher --- Lucana --- envolta em óleo perfumado. Finalizando: se sonho apenas com peixe eu sonho o sonho do peixe.

Claudia Kunin, 2007




Que Diana me cure,
enxágue meus sonhos de ouro.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Anônimo, 1910

Se não se escutam as folhas do arvoredo, Lucana gasta os olhos numa página avulsa do poeta Almafuerte: yo soy un palmar plantado sobre cal e pedregulho. Os vocábulos lidos na frase anterior já estão mortos, derrotados, e unicamente a retina do leitor pode trazê-los à vida com um sopro. Se o vocábulo é sopro e o sopro é vida, sopramos em yo, sopramos em soy, sopramos em un, sopramos em palmar, sopramos em plantado, sopramos em sobre, sopramos em cal, sopramos em e, sopramos em pedregulho. Lucana confessa ao palmar plantado: “Eu sou uma daquelas víboras descascadas junto à fonte fria. Com pinças curvas eu arranco o cérebro dos fariseus – gruta com lesmas – pelas fossas nasais. Eu, com um garfo de ouro, faço um talho na cara da prosódia sonolenta e, debaixo do chuveiro, tento captar, apesar da água torrente, o sentido das palavras em Fernando Pessoa: ‘Atinjo a força de palavras, não para realizar a obra que eu nunca poderia realizar, mas ao menos para dizer com simplicidade por que razões não a realizei’. No espelho, enquanto me enxugo, verifico que na alma continuo sendo uma daquelas gueixas com neve no negro cabelo. Escuto a balada de Narayama e, com a colherinha de açúcar, faço nevar no espírito do chá”.

Joel-Peter Witkin, sem data



Amar o perdido
deixa confundido este coração.

Drummond

Laszlo Layton, sem data

Uma palavra há de ser poética desde que você a coloque em lugar imprevisto, desde que ela dê alarme, desde que ela quebre o muro da velha ordem. É preciso sempre escrever a primeira vez de uma frase. E é preciso fazer o serviço com paciência para que o gozo dê frutos.

Manoel de Barros

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Rob Casey, 1999



É tudo mentira!

Karl Blossfeldt, 1928



Isto não é maconha, mas você pode fumar.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Sem palavras



O vaso
inteiro
serve aos homens.

O vaso
quebrado
serve ao Deus.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Kayser

Escutar

Glenn Gould (1932-1982)

http://www.youtube.com/watch?v=buq-p8vSCLQ&feature=related