quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Brierley


Imersa nas águas tu és, bem-amada, em meio às narcejas, um Deus escondido. De tal modo serenada, que o sopro de teus olhos desarruma oceanias. Te ofendo com apitos, meu deus, com pratos de plantas, para que aprendas a inutilidade do céu. Há mais pensamentos que coisas. Fico miosótis para o fim, desaprendo a ira para pra te convencer que a morte não existe: essa pirataria sepulcral é só um jeito de brincar de sumiço. Te convenço que aqui no centro se unge com boana. Balanço cabeleira só pra ofender, meu Deus. Com cachaça feroz eu espicaço tua alma, parto em duas tua espinha dorsal e te espanco até que caias numa cama de suave pena de cisne, os travesseiros de chuva serão apenas testemunhas secretas do quanto minha língua de fogo sabe o sabor de tua pele branca de neve.

Ante o mar azulado, na cadeira de praia, ela dormindo sonha com o príncipe da neblina que se aproxima de sua orelha esquece ali música verdejante. Certa mulher, mas não esta ou aquela, porque me refiro à que vive na ilha do Arvoredo – nas noites perigosas – é música atravessando o muro.

A escrita incita o linho.

A poesia é quando estamos andando sobre o dorso de peixes dourados e alguém nos entrega um livro justo na página 61 onde está escrito que não há palavra de adeus para os flocos de neve que se fundem à brancura do campo.

As ervas do jardim. A voz rasga o céu, a raga indiana rega as ervas do jardim – pairo acima de salsos pendentes.
Ver 7
sacadas humorísticas
do Mordillo







Sem palavras


Harold Lloyd (1893-1971).

Leonardo da Vinci (1452-1519)


São João Batista.
Vi um céu
às 5 em ponto da tarde

um céu que sorvia
pelos cabelos negros
lentamente

uma
gueixa
da
xícara de chá

Iceberg.
Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não. Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?).
Sim, inverno, estamos vivos.


Paulo Leminski (1940-1989).


Cartaz de estréia no Japão do filme Bande à part (1964), de Godard.
Chama-se buraco de verme. Ou ponte, como preferiu Einstein. Deforma-se o espaço-tempo de modo a tornar possível viajar no tempo, a partir de uma região com curvatura negativa, como a da superfície de uma sela. E é em pontes assim que as personagens de “Bande à Part”, de Godard (1964), dançam compassadamente ao ritmo de “In the Morning”, dos Junior Boys (2006). Para entrar na twilight zone basta dançar. E talvez ouvir os Nouvelle Vague, álbum «Bande à Part» (2006), enquanto se vê “Bande à Part”, da Nouvelle Vague (1964).


1.http://www.youtube.com/watch?v=V3dIyOMysCk

2.http://www.youtube.com/watch?v=NDHPTvADJ9s&feature=related

Rodin (1840-1917)


Parece-me que a invisibilidade é a condição para a elegância. A elegância acaba se for notada. Sendo a poesia a elegância por excelência, não sabe ser visível. Então, para que serve?, dir-me-eis. Para nada. Quem a vê? Ninguém. O que a não impede de ser um atentado contra o pudor, e apesar de o seu exibicionismo se exercer entre os cegos. Contenta-se em exprimir uma moral particular. Depois, esta moral particular solta-se sob a forma de obra. Exige que a deixem viver a sua vida. Faz-se pretexto para imensos mal-entendidos que se chamam a glória. A glória é absurda por resultar de um ajuntamento. A multidão cerca um acidente, conta-o a si mesma, inventa-o, perturba-o até se transformar noutro. O belo resulta sempre de um acidente. De uma quebra brutal entre hábitos adquiridos e hábitos a adquirir. Derrota, nauseia. Chega a causar horror. Quando o novo hábito for adquirido, o acidente deixará de ser acidente. Far-se-á clássico e perderá a virtude de choque. Por isso uma obra nunca é compreendida. É admitida. Se não me engano, a observação pertence a Eugène Delacroix: «Nunca se é compreendido, é-se admitido». Matisse repete com frequência esta frase.


Jean Cocteau (1889-1963).