quinta-feira, 17 de setembro de 2009

George Rodger, 1957

Nunca mais me esqueço da sombra silenciosa que marca o piso de pedra da pequena igreja do Carmo. Ali, diante do oratório, rasgo e devoro algas de Bíblia. Solidão é rito e, se venta lá fora, na pia baptismal uma folha seca. Aqui acordo, em meio ao sonho que é essa pequena igreja; acordo para a lucidez de que estou sonhando e, se não sonhar – sucumbo – igual onda que se extingüe ou fina linha de lápis que se apaga. Anoto no cahier: “Quem anda nas águas, envolto em névoa antiga, nada quer da cruz. O lado oceânico da cruz, existe? Ou existe só essa avena perfumada de altura?”. A presença quase física da imagem do deus Orum, nessa pequena igreja cristã, faz uma sombra perfumada nas paredes brancas, e é para este deus que escrevi, nas algas da Bíblia, um oriki:

QUANTO MAIS PRÓXIMA A LÍNGUA
DA ORIGEM DA CHUVA,
MENOS FEL E GRAMÁTICA

O acaso espreita da folha em branco.
Toda sede do céu é de abismo
e vivace sorvo, touro de mar caço à unha:
oro a Orum, peço que a neve nô
caia
nas árvores vergadas pela névoa.
O pensamento quer matar a sede
no oriki da chuva.
Quanto mais perto da música de câmara,
mais a língua venta um acorde que amanhece
esse virgem verso,
esse rosário de buirás,
esse kami
na imensa altura do vento.

Em busca do tempo perdido



Sam Alexander, 1880

Book cover for Sam Alexander "Photographic Scenery of South Africa. South Africa past and present including sketches of its principal towns and villages"