sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ellen Rennard, 2008

A noite acaba feito gim. O senhor K. não é uma criatura débil como uma haste de verbena; e até afirmou, em determinada ocasião, que o excesso é fundamental; que o excesso leva ao Castelo da Pureza; disse, igualmente, que a vida lhe fugia em cada sopro que vazava dos lábios finos do destino. Tinha um olhar, o senhor K., de ser gerente do The Bay Hotel --- mas ele é o gerente do The Bay Hotel ---, apenas esqueceu por um instante. Seus primeiros pensamentos da manhã já se parecem com os seus últimos pensamentos do dia. A cabeça, a do senhor K., mais bruta do que a cabeça do açougueiro Hamm. Apenas o tédio é, nesse meio-dia de verão, mais bruto, e cáustico. Não aspira, o senhor K. não aspira nunca ao céu. Como Orfeu, parece que está sempre recolhendo no vaso da alma, a um só tempo, um sáurio gravemente ferido e uma deusa com tímpanos de chuva. A noite acaba feito gim. Foi sugerido ao senhor K. que, entre as cinco irmãs — escolhesse uma—, e o senhor K. apontou para Joana, a única a quem a natureza tinha dado todas as rosas do amor. Todas as outras quatro irmãs mais pareciam ter seiva de areal, isto é, eram secas. Eu convido Joana para as fadigas de uma noite de núpcias ou o lúbrico serpentário da língua na nuca. Joana, a boa menina, lânguida após um copo de gim ou mais lânguida se o senhor K. tenta acariciar o musgo molhado entre suas coxas. A noite acaba feito gim. Joana guarda no relicário íntimo a sua fragilidade e a razão de preferir uma Cassiopéia boreal a uma longa temporada no Gehenna fumegante; entre ácaros e lesmas, entre chifres e cascas de cigarra. Um sopro inaudível conta à Joana que ela sabe mais que as plantas e os peixes; que ela sabe mais que os santos. Joana morena, olho verde, cabelo comprido. Por causa dela o galã da noite --- o senhor K.--- poderia até entoar antífonas religiosas na Ilha da Ilusão ou, após beber litros de gim, cairia de língua nas peles, nos pêlos dessa Joana de circunstância --- dessa mulher que enxágua retinas --- e se entrega, de quatro, feito uma piscina molhada, ao senhor K.. A noite acaba feito gim.

Adam Fuss, 1992

De uma das estantes da modesta biblioteca que possuo aqui no casarão colonial, retiro um livro de Jorge Luis Borges.

Cada livro devia ser escrito para ser lido com os olhos fechados.

Por isso, nos dias de chuvas pelas calhas, baixo as pálpebras e abro ao acaso o livro de Borges, onde leio: “Costumo pensar, então: este é um sonho, uma pura diversão da minha vontade e, já que tenho um poder ilimitado, vou produzir um tigre”.

Alguma louça na pia. Lavo, enxugo, guardo os pratos, as xícaras, talheres e nunca sei se sonho com gata ou peixe.

Se sonho com gata sem peixe, escuto certo murmúrio renascentista na Nuages gris, de Lizst.

Se sonho com peixe sem gata, viro água no talo foliáceo das algas, espumo, quebrando-me na aresta do granito.

Se sonho sem gata e sem peixe, saio das nuvens, levanto a fronte e escuto.

Se sonho apenas com gata, “e já que tenho um poder ilimitado”, ela se torna essa Lucana envolta em óleo perfumado.

Finalizando: se sonho apenas com peixe eu sonho o sonho do peixe.
Ver 12 fotos
de Joséphine Sacabo

Às vezes ela pode ser vista montada num cisne e a pontear um instrumento de cordas conhecido como Veena; ela também porta uma Rudraksha de diamantes e segura os livros Védicos.

Saraswati sempre está sobre uma flor de lótus, o que indica sua transcendência.

Os sábios orientais, antes de começar qualquer leitura, sempre invocam o nome de Saraswati para que ela conceda a perspicácia e o discernimento necessários para o aprendizado.

Oro à Saraswati que me conceda sabedoria.

Serendipity