segunda-feira, 13 de maio de 2013

Mark Power, 1983




No "Romance grego ainda sem nome", do escritor Cavaal Saféris, que sabe um capítulo de outro capítulo? Nada, mas Cavaal, que já leu todos os capítulos, liga-os e conclue que, se neles há páginas melancólicas e grotescas, há outras de candura e fecundadas pelo acaso. 
Enquanto remexe as brasas com o caco da ânfora, e arruma entre as pedras achas de sicômoro seco, Cavaal tem sérias dúvidas se, depois que for enterrado na tumba escura, encontrará algum dia a criatura da sua solidão.
Logo no primeiro capítulo de "Romance grego ainda sem nome", ele escreve: “Li em algum lugar que apenas o mundo espiritual existe. O que chamamos de mundo físico é o mal do mundo espiritual. O fato de que existe apenas o mundo espiritual priva-nos da esperança e nos propicia a certeza. E mais: é uma lei do espírito só encontrar o que não procurou”. 
Se não esquecemos, não nos tornamos humanos.
A esse Cavaal Saféris não é a chuva, mas o rumor da chuva que o lava. A língua dele, ao se comover com a extinção dos ossos e das árvores, abana-se com o vazio da boca.
Para entoar o Cântico dos Cânticos, Cavaal Saféris faz ablução com areia debaixo do baobá africano, depois anota no capítulo primeiro do seu “Romance grego ainda sem nome”: “Olho o mar através das fissuras da parede e vejo as barcas e os peixes, os ventos e o sal nos velames, as crianças à sombra das árvores no verão, e não posso deixar de me comover com a única deusa que respira nessa praia – deusa ou música – música que detém as palavras e as impele, até que elas acordem o cristal de rocha”.
No último capítulo de seu livro "Romance grego ainda sem nome", Cavaal escreve: “O que quero dizer é que procuro um lugar no qual eu esteja deitado, sem risco de inundações e, se for possível, à sombra das árvores no verão. Não consigo desviar meu pensamento do fato de que toda a história do mundo não é mais que um livro de imagens refletindo o mais violento e mais cego dos desejos humanos: o desejo de esquecer”.