A medusa Goaëc
A
medusa Goaëc acha que possui muitos pecados, por isso não
escuta mais o tímpano da chuva. A medusa Goaëc congela o espírito da potência e
cultua o sentimento excessivo da culpa e petrifica o vento.
A medusa
Goaëc só pode ser vencida com a harmonia e a justa medida.
Conta a lenda que, quem visse a cabeça da medusa Goaëc,
ficava petrificado. As Graias podem ser vistas por aqui: as Graias, mencionadas
por Apolidoro na Biblioteca (II, iv, 2), de belo rosto, irmãs, grisalhas desde
o nascimento: mulheres velhas que foram procuradas por Perseu, que lhes
conferiu a missão de trazer a cabeça da medusa Goaëc para Polidectes. Se a
medusa Goaëc representa a imagem excessiva da culpa, cortar sua cabeça é
dominar de forma durável o sentimento excessivo: ver a si mesmo sem deformação
para menos ou para mais: o conselho é não exagerar nem minimizar a culpa.
Com a foice decepo a cabeça da medusa Goaëc: os salgueiros e
as montanhas do balneário de Gegenwelt, ora brancos, ora escuros, voltam a
florir.
Deito a cabeça da medusa Goaëc nas folhas de hortelã.
Eu narro com detalhes precisos o ambiente onde se desenrola
o crime que cometi com minha foice e a técnica que a medusa Goaëc usa para
petrificar tudo quanto lhe apareça pela frente: narro, igualmente, o tipo de
bebida que ela toma: é o gim que perfuma sua boca: não digo nunca que essa mulher
terá sua cabeça decepada, mas escrevo a história como se o leitor já soubesse:
o efeito de surpresa se produz quando o final da história secreta aparece na
superfície.
A noite é a
angústia: inaudíveis ventos antes da meia-noite: o isqueiro de prata: espero,
no meio dos grous, a entoar o Cântico dos Cânticos, que tragam a cabeça da
medusa Goaëc jogada no lago. Nessa condição inumana de estar sem cabeça, a
medusa Goaëc excede, ultrapassa as raias do comum, visto que ao perder a
clareza do juízo, sai do normal, parece uma desatinada.