sexta-feira, 11 de outubro de 2013
Jack Burman, 1999
Les Krims, 1966
AU GRÉ DES ONDES
Resolvi atravessar o vazio e entrar no xís do
enigma, onde o pensamento não pode chegar. Decidi permanecer no xís do
enigma para escutar Au gré des ondes, de Henri Dutilleux. No xís do enigma há fontis gregas, se nelas
mergulho eu me curo do verme surdo que decompõe tristíssima sonata: essa cura
não leva nenhum tempo, nem acontece
em algum lugar. No Jardim das
Confidências, a oriente do xís do enigma, o que no
unicórnio é exposto é o que mim eu escondo. Lugar nenhum,
eis a morada do xís do enigma, lugar onde lapidem esse aquam fontis vivi: a pedra
é uma fonte de água viva.
Anônimo, 1961
A LÍNGUA DA ALMA
Se a língua da alma é a pluma,
logo se
conclui que a língua do carrasco,
sendo o
contrário da pluma,
é um quarto
escuro onde o morto
deixa cair
larvas das narinas.
Se a língua
da alma, na raiz, é lava vulcânica,
lava
catequiza larvas.
A língua da alma,
para não acordar o sono do vento,
procura
consolos de acalanto para abandonar,
na pedra
fria, a elegia de uma queda d'água
que não pára!
que não pára!
O que na
língua do acaso é exposto
é o que em
mim eu escondo:
não há nada
mais fecundo que o acaso.
Paul Biddle, 2009
O PEIXE CAPELO
(Synaptura lusitanica)
Todas as coisas foram feitas por meio da palavra,
e, sem a palavra, coisa alguma foi feita de quanto existe.
Visto por esse ângulo, também foram feitas por meio da
palavra as coisas a seguir: xícara, aqueduto, quartzo, baleia
azul, prego, abismo, avenca, arroz, Confúcio, Hitler, mel,
urina, música de Bach, veneno da mamba negra, violoncelo, esporão
da agave, a passacale de Buxtehude, calabouço, biombo, água, Taj
Mahal, fezes, ácaro, gânglios, latrina, termas de Caracalla, o
peixe Capelo (Synaptura lusitanica), o aquoso das plantas, algodoal,
chá do Ceilão, mantras de Aruanda, chuvas nos arrozais da China, hieróglifos,
um lápis na península, cachaça, a voz da Sibila.
A palavra nunca se reduz a um bibelô de inanidade sonora,
porque a palavra deseja sempre ser a carne
daquilo que está sendo pronunciado.
A voz da Sibila
toca o vento
para tocar o meu ouvido.
Assinar:
Postagens (Atom)