segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Danhui Liu




A palavra não é uma coisa morta e nem é palavra o que lemos no dicionário; muito pelo contrário, a palavra é vis activa: algo pra lá de vivo. A palavra céu, se pronunciada por Algo ou Deus, é um céu; a palavra água é água.

A palavra a que me refiro não é a palavra em estado de dicionário; a palavra a que me refiro, com reverência, é aquela palavra anterior ao mundo; é a palavra que o primeiro Homem (Deus ou Algo) pronunciou para criar o mundo.

Se pronunciarmos céu por nós mesmos, o céu morre; contudo, se pronunciarmos céu por amor ao Algo, ou porque escutamos a palavra de Algo, é bem verdade que um céu acaba de nascer em nós.

A palavra purifica, clareia, inaugura um mundo novo nisto que convencionaram chamar de "alma".

A palavra é a casa da alma.

A palavra da alma só é desprezada porque ela tem uma pequena aparência.

Quem sabe, depois de mortos, apenas nos reste criar o paraíso com as palavras: aqui a torrente de uma árvore; ali a barca de um vento; lá um adágio perfuma as veias.

O poeta é aquele que pressente isto de maneira profunda: e não quer mais o mundo, mas aquele outro mundo onde pode escutar a palavra e, surpresa, a palavra luz é uma luz mesmo.
Monet (1840-1926)

No mais mineral das profundas prosas altas,
onde a viola de chuva se esconde,
lá onde as piscinas ondulam tempestuosas,
quando o escarcéu das águas se avulta,
lá a voz selvagem e as iguanas sedentas,
lá, na voz, se aclara a palavra nunca vista
e a obsedante garoa rega a pedra da elegia.
No alto-mar de transparente massa cristalina,
quanto mais ao alto-mar de silêncio perto,
mais a voz vai aclarando,
se antiga é a alma que se vislumbra,
assim das profundas mostra claro e radiante
o mineral das prosas altas
que serena o que, nas sedentas, há de árido.